“Brinca e dança, dançar e brincar”
Uxa Xavier
Como a estrutura de uma brincadeira pode se transformar em matriz para um processo de criação em dança com crianças.
Do que vamos brincar?
O que vamos dançar?
Como vamos brincar e dançar?
O jogo /brincadeira é a primeira estrutura organizadora que as crianças possuem para
criar e construir suas relações coletivas.
Ele contém:
1-dialogo entre elas.
2- relações com o espaço que ocupam e se deslocam.
3- relação com as variações rítmicas.
4 - Relação com objetos que integram a ação de Jogar/Brincar.
5- Fluxo de energia, onde, a alegria, a percepção de pertencimento, e os desafios físicos e cinéticos estão em harmonia e em movimento e
dependendo do Jogo/ Brincadeira num estado de desafio à gravidade e percepção da sensação de vertigem no movimento.
Ultimamente o termo “Brincar e Dançar”, vem se estabelecendo como um procedimento pedagógico na dança para crianças.
Por sinal um ótimo procedimento, mas que não deve ser confundido como uma forma de organizar as crianças em sala, e deixar de trabalhar com os elementos pertencentes à linguagem da dança.
O importante, é como nós professores de dança para crianças, exercitamos nossos olhares e sentidos para o Brincar e o Jogar das crianças, e como podemos ressignifica-los para um estado de dança.
Vou criar aqui algumas proposições para podermos pensar juntos:
1-Chegar à aula, propor um jogo/brincadeira, colocar uma musica e deixar as crianças dançarem.
2- Chegar à aula fazer um aquecimento, propor um jogo/brincadeira, colocar uma música e deixar as crianças dançarem.
3- Chegar à aula fazer um aquecimento, perguntar às crianças quais brincadeira mais gostam de Brincar/Jogar, colocar uma musica e deixar as crianças dançarem.
4- Conhecer a faixa etária de seus alunos, saber como podemos trabalhar com eles em relação aos elementos da dança: percepção espacial, possibilidades de relações, apropriação de seu corpo, percepção de sua estrutura músculo/esquelética, propriocepção ( sentido do movimento), percepção de sua expressividade enquanto dança. Pesquisar uma Brincadeira /Jogo, que possa dialogar com os elementos da
dança, e onde as crianças percebam e se apropriem dessa experiência, entendendo que uma dança também pode nascer de um Jogo/Brincadeira.
Cada um pode ter se identificado com uma dessas quatro possibilidades, como também podem ter outras que não citei aqui.
Então agora, vamos fazer o ”Jogo do: como transformar o brincar em dança”.
Das quatro possibilidades que propus acima, eu trabalho com a quarta.
Deixo aqui, que essa foi minha opção de pesquisar e criar um estado de dança Jogo/Brincadeira com meus alunos e também em cursos que desenvolvo para professores.
Nunca proponho uma brincadeira sem antes pesquisá-la. Todo Jogo/ Brincadeira tem uma estrutura/composição, que envolve: tempo, espaço nas suas variações de direções, planos, níveis e deslocamentos, fluxo de energia e regras de como as relações podem acontecer.
Gosto de brincar com o Jogo/Brincadeira num processo de desmontar para recriar, enfim esse é um momento de criação dentro de meu percurso na ação pedagógica.
Por que esse Jogo brincadeira? O que eu quero propor? O que ele tem haver com esse grupo? São essas perguntas que me levam a uma escolha.
A partir dessas perguntas da pesquisa, início uma contextualização no ritual da aula: aquecimento, investigação, organização de movimentos nas relações: tempo, espaço, peso e fluxo de energia que dialoguem com a proposta que vou lançar às crianças.
Ou, também, posso investigar com elas quais Jogos/brincadeiras, andam brincando, peço que me mostrem e assim começo a pesquisa como também a investigação junto com elas.
Como citei acima, todo Jogo/Brincadeira tem uma estrutura, uma composição, que podemos transformá-la e recriá-la. Quando alteramos uma articulação dessa estrutura, criamos um novo jeito de Jogar/Brincar, e assim ela vai se transformando, diante das proposições ou” jogadas” que fazemos, mas elas só se mantem viva, se o grupo se relaciona; ou melhor, se existe o espaço subjetivo do afeto, respeito, prazer em jogar, constituído dentro deles, e esse é o fator primordial para jogar/brincar/dançar junto.
Cito aqui um exemplo de um Jogo/Brincadeira que foi tema de investigação tanto meu como de um grupo e que agora virou um espaço constituído de improviso dentro da aula.
Da estrutura da Fila Indiana que tem como propriedade a leitura do movimento do parceiro que está à frente e a manutenção do ritmo coletivo, desestruturamos a organização espacial (Fila) e agora cada um fica em um espaço da sala e o grupo organiza “em segredo” a ordem de quem comanda ( 1,2,3, etc..) o desafio inicial do jogo/brincadeira é que, quem está assistindo não pode saber quem está comandando, isso quer dizer que: deve acontecer no grupo uma leitura e estado de presença do movimento, onde todos “leiam/percebam” quem está propondo as frases de movimentos e ao mesmo tempo se deslocam pelo espaço em direções diferentes criando desenhos espaciais dinâmicos.
No inicio dessa investigação eu devia sair da sala para depois adivinhar quem era o 1,2,3,etc.. Com o passar do tempo o Jogo/Brincadeira foi se transformando num espaço de improviso da aula e ganhou o nome de: A dança está com quem?“.
Numa apresentação de final de ano o grupo decidiu que iria apresentar essa dança para seus convidados, mas estes deveriam ter uma participação ativa: adivinhar a ordenação dos propositores, pois havíamos criado uma dança que dialoga com quem vê e ao mesmo tempo coloca o apreciador no papel de leitor/adivinhador de movimento. Os grupos de crianças que assistiram, imediatamente adivinharam, enquanto que os adultos ficaram em dúvida em relação à ordenação.
Quando reiniciamos as aulas no ano seguinte, aqueles alunos que adivinharam pediram para Jogar/Dançar o “A dança está com quem?”, e agora já faz parte da organização da aula como um espaço de improviso, onde ele se transforma a cada vez que é dançado.
Dançar, Jogar/Brincar pode ser um espaço precioso para sentir a dança. É importante para constituir um corpo que pertence a um espaço coletivo/afetivo como também criar em grupo. Através de uma pesquisa e recriação de um Jogo/Brincadeira surge uma dança, num dialogo entre corpos criativos que conhecem a estrutura do jogo e que podem mudá-la a qualquer momento, chegando assim na improvisação; uma
dança que se mantém pela riqueza do repertório de movimentos tanto de um grupo como de um indivíduo.
Mas para que tudo isso aconteça é preciso primeiro trabalhar com o corpo individual do aluno que tem suas potencias e dificuldades. Um jogo é feito de indivíduos, de corpos autônomos e criativos que se conhecem e sabem aonde começa o seu movimento e aonde começa o do(s) parceiro(s).
Aqui chegamos a uma questão muito importante que é: como abordamos o movimento em sala? Quais procedimentos lançamos para trabalhar a propriocepção (sentido do movimento), a percepção da estrutura corporal, e a relação desses sentidos com o espaço que ocupam e a forma como ocupam, ou: como ativamos a pele/corpo do grupo para que eles se sintam partes de um todo? O que quero dizer é que, o aquecimento e todas as etapas anteriores de uma proposição de um Jogo/Brincadeira devem estar relacionados, se não o que vai acontecer na aula é uma movimentação onde o estado mental estará mais ativado do que o sensório-motor, gerando assim a disputa de quem ganha e quem perde entre eles.
Atualmente a dança já esta bem plantada em Projetos Sociais, se pensarmos o quanto é importante a estrutura de um jogo para crianças que nem sempre puderam ter a oportunidade de exercitar o “jogar/brincar” criem e constituam esse espaço de criação na reorganização de seus espaços internos, externos e afetivos, vemos que o Brincar/ Jogar além de ser uma matriz incrível para a dança, também alimenta o estado anímico de “ser criança”.
Algumas sugestões de leitura:
Anzieu, Didier. “O eu pele”; tradutoras Zakie Yazigi Rizkallah, Rosali Mahsuz- São Paulo: Casa do Psicólogo,1989 .
GODARD ,Hubert- (2000) “ Gestos e Percepção” em Lições de Dança 3. Org Soter, Silvia e Pereira Roberto , Rio de Janeiro, UniverCidade, Editora.
Schulmamm, Nathalie – (2006) “Da pratica do jogo ao domínio do gesto” em Lições de Dança 1 Org Soter, Silvia e Pereira Roberto , Rio de Janeiro, UniverCidade, Editora.
DAMASIO, Claudia (2001) “A Dança para Crianças” em Lições de Dança 4 org. Pereira, R. e Soter, S. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed. p. 223-246.
RENGEL, Lenira (2003) Dicionário Laban São Paulo Annablume Editora.
Rengel, Lenira (2008) “ Os Temas de Movimento de Rudolf Laban” - São Paulo, Annablume Editora.
PIRET Suzanne, BÉZIERS Marie Madeleine, (1992) “ A coordenação Motora” São Paulo, Summus Editora
BENJAMIM,Walter (19840 “Reflexões: A criança O Brinquedo A Educação. São Paulo, Summus Editora.
ALEXANDER Gerda (1983) “ Eutonia –um caminho para a percepção corporal “ São Paulo-Martins Fontes Editora.
LARROSA, Jorge – “Notas sobre a experiência e o saber de experiência” Universidade de Barcelona. Tradução, João Wanderley Geraldi - Universidade Estadual de Campinas-Departamento de Linguística. Disponível na internet.